segunda-feira, 9 de março de 2015


A Paixão segundo G.H.
Romance de Clarice Lispector.

Argumento:

            Um evento fortuito, como a morte de uma barata, faz uma mulher experimentar todo o absurdo da existência. Aos poucos, suas certezas são postas em suspenso e ela deverá reconstruir, a partir de si mesma, o sentido da própria vida.

Em busca da autenticidade:

            A obra de Clarice Lispector é uma das mais desconcertantes realizações da literatura brasileira, a ponto de pairar acima de sua tradição, ignorando o regionalismo triunfante e o romance psicológico em curso. Seu intimismo fenomenológico a filia mais imediatamente ao Noveau Roman francês, de Sartre e de Camus, o que não significa dizer que fosse mera cópia daquilo que se escrevia além mar. Aliás, muito pelo contrário. Combinam-se no seu fazer literário, uma radical intelectualização do Eu e, paradoxalmente, um instinto artístico que a permitia sentir toda a carga dramática da existência do homem contemporâneo, ameaçado por ilusões narcísicas e materialistas num mundo a ele indiferente.
            Na realidade, a percepção deste problema já havia sido integrada à literatura e à filosofia ocidental desde meados do século XIX. O Deus metafísico e distante de Kant e de Hegel, mero princípio racional, impregnou o posterior desenvolvimento da filosofia de um mal-estar radical, fruto da consciência de um mundo cuja marca maior é a da falta de finalidade e de sentido. Daí as diversas tentativas de se substituírem o princípio Deus por outra coisa qualquer, que viesse a remediar este vazio. O pessimismo de Schopenhauer é, de certa maneira, fruto deste momento cultural; já o otimismo panteísta de um Nietzsche coloca o homem (ou no caso, o Ubermensch) no centro mesmo da especulação filosófica, descartando qualquer arremedo metafísico que preenchesse a lacuna deixada pela ausência de um Deus provedor que tudo vê e a tudo conduz com justiça.
            Esta questão acabaria por tornar-se o centro do debate filosófico europeu desde então (digo europeu, excluindo a filosofia anglo-americana que trilhou caminhos diversos, rumando em direção à filosofia da linguagem e ao neopositivismo), influenciando a produção literária de maneira decisiva. Desde Kafka, Joyce, Döblin até os existencialistas franceses (que fizeram de Kierkegaard o seu ícone literário), buscou-se a representação desta orfandade do homem no mundo, ser marcado pela angústia e pelo desespero. Clarice Lispector faz assim, parte desta tradição ocidental mais ampla, onde o romance é o veículo por excelência da expressão do próprio absurdo da existência. Assim, inaugura entre nós uma nova fase do romance filosófico: não mais aquele que simplesmente buscava debater idéias, como Canaã de Graça Aranha ou O Estrangeiro de Plínio Salgado. A sua verve filosófica é resultado de uma busca, que põe em suspenso as certezas longamente aceitas sem reflexão e tenta reconstruir o sentido da vida a partir da experiência individual.
            Em A Paixão segundo GH, uma mulher se dá conta dos limites existenciais que a cercam quando mata uma barata no quarto de empregada de seu apartamento. Pouco a pouco, todos os fundamentos da sua vida vão sendo solapados. Em primeiro lugar, os objetos com os quais toma contato no quarto de empregada – cama, colchão, armário, parede – vão sendo impregnados por projeções da própria subjetividade e, com isso, ganhando significados até então desconhecidos para ela. Após, as próprias dimensões espaço-temporais perdem a frialdade das grandezas matemáticas para reconstruírem-se no âmbito da sua personalidade. Por exemplo: ao sentir-se opressa no interior do quarto, tempo e espaço transmutam-se em elementos reforçadores desta sensação. Impossível é não pensar na fenomenologia de Martin Heidegger quando Clarice Lispector tenta compreender a profundidade do tempo: não mais percebe o tempo como sucessão cronológica, mas como experiência vital, tal o dasein (ser-aí) da obra heideggeriana.
            O primeiro grande problema que se afigura para a narradora é o da expressão. Neste caso, retornamos a um tema clássico na obra de Clarice Lispector: a da distância entre o vivido e o narrado, para óbvio prejuízo deste. É como se, ao materializar a experiência vivida em palavras, perdesse a autora a singularidade do vivido, que deixa de ter a “aura” do sentimento para obscurecer sob a penumbra da razão. Certamente, a protagonista do romance vive uma experiência avassaladora do ponto de vista individual, mas sua sensação desesperada é ainda mais brutal quando se vê incapacitada de exorcizá-la pela linguagem. Daí, muito se fala que é preciso ler Clarice pelas entrelinhas. Na realidade, a autora não pode nos falar diretamente daquilo que vive, senão conduzir-nos aos problemas que ela sente e por isso, somos arrancados de um certo conforto passivo de leitor para, com a autora, reconstruir a vivência alheia.
            Além do problema mesmo de uma linguagem precária, está a questão da própria identidade do eu a todo momento confrontada com a miserabilidade da imagem da barata esmagada contra a porta do armário. Esvai-se então, toda a projeção social do indivíduo: mulher bem-situada na sociedade, confortavelmente arranjada numa cobertura, cercada de amigos grã-finos e intelectuais. Todos os vestígios de uma vida “civilizada”, socialmente triunfante e aceita, vão sendo desfeitos: um esvaziamento do eu é colocado em atividade para, só então, despida da imagem construída pelos outros, a mulher se reconstruir fundamentada na descoberta da própria essência – que não é divina – mas radicalmente humana.
            Há quem aponte a irrupção de Clarice Lispector em nossa literatura como um divisor de águas. Infelizmente, o seu legado não foi completamente assimilado por nossos escritores e creio que muito tempo será levado para que a sua herança efetivamente passe a frutificar a literatura brasileira. Mesmo tornando-se uma autora conhecida – apesar da clara dificuldade da leitura de uma obra que além de complexa, é densa – a cultura brasileira não estava, e nem está, pronta para as questões que levanta. A simples questão de uma valorização do eu não legitima a existência de uma literatura que a tenha incorporado. Assim, embora o seu legado não venha a desaparecer – como atestam as diversas edições de sua obra – é bem exagerada a afirmação de que tenhamos já a compreendido na sua totalidade.

Por que é um clássico brasileiro:

            A inesgotabilidade aparente das questões que suscita, aliada à uma rara intuição da experiência de mundo em que vivemos, faz desta, uma escritora ímpar. Determinados problemas, já profundamente analisados à luz da crítica literária, como o da insuficiência da linguagem na representação da vida é apenas uma das dimensões mais visíveis do seu fazer literário. Sob esta forma precária, pulsa uma pensadora radical, que pretendeu fazer da literatura o caminho para a experiência da vida e daquilo que nos é legitimamente humano, sem as aparências e fantasias em que estamos enredados.

Obras da autora:

Clarice Lispector nasceu em Chechelnik, na Ucrânia em 1920 e morreu no Rio de Janeiro em 1977. Publicou:
Romance: Perto do Coração Selvagem (1943), O Lustre (1943), A Cidade Sitiada (1949), A Paixão segundo G.H. (1964),  Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres (1969), Água Viva (1973), A Hora da Estrela (1977), Um sopro de vida (1978).
Conto: Laços de Família (1960), A Legião Estrangeira (1964), Felicidade Clandestina (1971), Onde estivestes de noite (1974), A Via Crucis do Corpo (1974), A Bela e a Fera (1979).
Crônica: Para não esquecer (1978), A Descoberta do Mundo (1984), Como nasceram as estrelas (1987), Minhas queridas (2007).

Infantil: A Mulher que matou os peixes (1968), A vida intima de Laura (1974), Quase de Verdade (1978).

sábado, 28 de fevereiro de 2015




Senhora.
Romance de José de Alencar.

Argumento:

       Aurélia Camargo é a mais bela e mais rica beldade da Corte, atraindo os olhares cobiçosos dos rapazes solteiros da época. Sua vida de ostentação e luxo, contudo, encobre um passado de pobreza, orfandade e decepções. Dentre todas as mágoas que carrega, uma cala fundo em sua alma: a rejeição sofrida por seu noivo, o fútil e interesseiro Fernando Seixas. Agora, estribada na herança milionária que recebera, está pronta para vingar-se, humilhando o antigo noivo com a compra de sua vida e de sua liberdade.

A peleja do amor e do dinheiro:

       Qual a verdadeira razão dos afetos humanos? Num mundo enfeitiçado pelo deus Dinheiro haverá ainda algum espaço para o amor desinteressado? Este romance, talvez a mais complexa realização literária de José de Alencar, fundamenta-se num problema moral, o da natureza das virtudes numa sociedade materialista. Sem deixar de pertencer enfaticamente ao romantismo, chega aos limites de sua própria contestação, colocando em suspenso todos os dogmas desta ideologia, dentre os quais, o mais visível é o da sacralidade do amor conjugal.
       A trama, magistralmente conduzida pelo autor, desenvolve-se em quatro atos: O Preço, Quitação, Posse e Resgate, não à toa, concebidos como lances de uma transação comercial, cujo bem que se procura obter é o amor. A narrativa, sempre ágil, nervosa, frenética, impõe-se à leitura, criando uma atmosfera de suspense muito bem urdida, na qual o autor consegue manipular as expectativas, mantendo e fazendo crescer a atenção do leitor até o desfecho, momento de satisfação e relaxamento, em que toda tensão acumulada se dissipa sob o efeito calmante das soluções definitivas.
       Em nenhum momento José de Alencar parece entrar em acordo com o mundo que descreve. Repudia, pelo viés de uma moralidade conservadora, a baixeza de uma sociedade corrompida pelo dinheiro, onde os homens tornam-se mercadorias e se entregam ao comércio vil das afeições e das liberdades. A esta hegemonia da mentalidade capitalista, o autor imputa-lhe, sarcasticamente, a alcunha de “mentalidade de quitanda”, muito própria ao desvirtuamento das qualidades humanas, nivelando a todos por baixo, dando-lhes os preços correspondentes à sua posição social.
       Aurélia, a heroína deste romance, revela-se alguém capaz de compreender a dinâmica comercial do mundo, rejeitando qualquer hipocrisia com a que se dissimulam as reais intenções mercantis do cotidiano. É através dela que José de Alencar pode reforçar a sua ojeriza à banalização do homem sob o império do dinheiro. As duas primeiras partes, aliás, extremamente incisivas a este respeito, põem em contraste Aurélia e seu tutor, o sr. Lemos, uma velha raposa dos negócios, sempre traído em suas aparências pelo crivo implacável da menina.
       Mas, o alvo preferencial da pena do autor é Fernando Seixas. Este sujeito, que despreza o sofrimento da própria família a quem deveria servir de arrimo, é um hedonista convicto. Dedica-se somente ao culto de sua própria imagem, gastando as parcas economias da mãe em festas, salões de jogos e restaurantes. Crê que, assim procedendo, faz aumentar o seu preço nesta feira livre monumental que é a sociedade. Mal percebe, no entanto, sua depreciação ante aos olhos do “mercado”, que o vê como um reles “alpinista social”.
       Sua união com Aurélia, longe de o elevar aos olhos dos semelhantes, na realidade o rebaixa, pois não conseguirá desvincular-se da imagem de filho ingrato, carreirista, marido submisso e sustentado pela mulher rica. São, na realidade, os remorsos que vão se acumulando na sua alma que o impelem à transformar esta situação. O seu orgulho, seu senso de honra e dever, que até então não se manifestaram, reabilitam-no aos olhos de Aurélia e da sociedade, por conseqüência. É esta transformação da personalidade quem permite o final feliz e, ao cabo, a própria continuidade da essência do romantismo, ou seja, a de que os desequilíbrios da estrutura ideológica podem resolver-se no âmbito do esforço individual.
       Não há como negar, contudo, que mesmo repetindo as velhas fórmulas românticas (que ajudou a criar), José de Alencar está mais amargo neste livro. Como último romance, de alguma forma, Senhora é o seu testamento intelectual. O autor quer mostrar como ainda pode realizar uma grande obra, sumamente bem escrita e bem urdida, para ensinamento e admiração dos pósteros. Quer ainda, expor sua completa indisposição com um mundo que já não é o seu, cujos valores e comportamentos são mais liberais e distantes do ideal de virtude aristocrática que tanto cultivou.
       Este é o romance de mais largo alcance criativo de Alencar. Está-se diante de um escritor que tem pleno conhecimento das situações que narra (diferentemente do indianista de dez anos atrás), que domina a forma do romance, que sabe conduzir uma trama, que compõe os personagens e seu ambiente com toda maestria. É um talento em seu apogeu, amadurecido e na plenitude. Quando, anos após, Machado de Assis confessava-se devedor de Alencar, só podemos nos recordar do escritor da trilogia Diva – Lucíola – Senhora, sua maior contribuição ao romance brasileiro.    

Por que é um clássico brasileiro:

       Em Senhora, José de Alencar manifesta todo o seu talento expressivo, elegância e vivacidade. Se em outras obras havia mostrado uma sensibilidade para as cores, escrevendo como se pintasse, agora revela-se um escultor, buscando obsessivamente a representação escrita das formas, volumes e proporções. Máxima realização do romance urbano carioca até então, faz uma representação total da cidade: desde os subúrbios e seus tipos característicos até o cotidiano social das elites de seu tempo.

Obras do autor:

José Martiniano de Alencar nasceu em Mecejana (hoje, um bairro de Fortaleza) em 1829 e morreu no Rio de Janeiro em 1877. Publicou:
Romance: Cinco Minutos (1856), O Guarani (1857), A Viuvinha (1860), Lucíola (1862), As Minas de Prata (1865 e 1866), Diva (1864), Iracema (1865),  O Gaúcho (1870), A Pata da Gazela (1870), O Tronco do Ipê  (1871), Sonhos d’Ouro (1872), Til (1872), Alfarrábios (1873), A Guerra dos Mascates (1873), Ubirajara (1874), Senhora (1875), O Sertanejo (1875), Encarnação (1893).
Teatro: Verso e Reverso (1857), A Noite de S. João (1857), O Demônio Familiar (1858), As Asas de um Anjo (1860), Mãe (1862), A Expiação (1867), O Jesuíta (1875).
Poesia: Os Filhos de Tupã (1863).

Crítica: Carta sobre a Confederação dos Tamoios (1856), Ao Imperador – Cartas Políticas de Erasmo (1865), O Sistema Representativo (1866), Ao Correr da Pena (1874), Como e por que sou romancista (1893).

segunda-feira, 29 de abril de 2013



Crítica: Ariano Suassuna. O Romance d'A Pedra do Reino (1971)


A vida imita a arte.

O romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta é um épico sertanejo. Poderia, neste caso, ombrear-se com todos os épicos sertanejos que se escreveram ao longo dos últimos 150 anos. Mas, distingue-se radicalmente dos demais por algumas peculiaridades. Antes de tudo, esta narrativa se fundamenta em eventos literários ou, melhor escrevendo, numa tradição literária: a tradição das narrativas (orais e escritas, reais ou imaginadas, míticas e sobrenaturais) que definem a cultura popular nordestina. Neste sentido, a obra é uma reinvenção de tudo o quanto forma aquela tradição literária.
            Necessariamente, este tipo de reinvenção – que se propõe a ser radical e ao mesmo tempo, universal – só é possível aos grandes eruditos. Melhor: aos obsessivos aficcionados do gênero, que não somente têm uma idéia do todo, como também das partes que compõem a rica tessitura das narrativas sertanejas. O último dos grandes, na linha dos eruditos radicais e universais, tais como Câmara Cascudo, é o autor desta insânia literária sem paralelos: Ariano Suassuna.
            Sua reinvenção depende de três princípios coexistentes e complementares. O primeiro princípio é o da erudição, tal como já o dissemos. O segundo princípio é o do amor desenfreado à sua gente, terra e tempo. E, o terceiro, é o da capacidade criativa, argumentativa, imagética, narrativa, inventiva, enfim. Não contribuíssem, cada um destes princípios à construção deste absurdo literário, a obra sequer existiria. Sem erudição, a obra perderia o caudal das referências literárias e ideológicas que traz consigo; sem amor, os tratados de erudição são áridos e estéreis, as ideias não cumprem o seu papel de explicar, de defender, de argumentar; sem criatividade, por fim, esta não seria uma obra literária: talvez um compêndio enciclopédico, nunca um romance.
            É possível, contudo, ao leitor, encarar a obra sob estes primas: como obra de erudição, como panfleto político-amoroso e como tour de force da capacidade de narrar. Mas, mesmo assim, privilegiar um destes aspectos em detrimento do conjunto, empobreceria demasiadamente a compreensão e a fruição do romance. Não nego que a obra possa parecer difícil aos desavisados, aos tantos que se sentem fascinados pela personalidade do autor e se lançam à sua leitura. Tanto há passagens dinâmicas, divertidas e fáceis de ler, quanto também, longos períodos mais lentos, penumbrosos, que exigem do leitor um interesse meditativo e reflexivo na própria narrativa.
            Enfim, este não é um livro para leitores impacientes, nem para aqueles que pretendem “domar” o texto alheio, subordinando-os às suas próprias referências literárias, lingüísticas, espaciais ou temporais. Os gênios da língua não se deixam domar. Na realidade, são eles quem conseguem dominar a leitura e conduzir o leitor aos fins a que bem entendem. É preciso assim deixar-se levar, docemente, através da linguagem do autor, das suas referências, das suas pausas e acelerações, dos seus silêncios e da sua verborragia. Como gosto de falar, é necessário “entrar na brincadeira”, aceitando as suas próprias regras: regras, aliás, que não fizemos, mas que só as compreenderemos se aprendermos a aceitá-las.
            Como todo exercício radical de narração, este romance se desdobra em subnarrativas várias, percorrendo contextos distintos, numa aparente (só aparente) desordem lógica. Ao cabo, estes enredos acabam se harmonizando, e as pontas do enigma começam a ser decifradas. Se for assim, também é verdade que há um eixo principal a partir do qual todos os enredos subseqüentes são derivados: é a história de Dom Pedro Diniz Quaderna e de suas aventuras místico-político-literárias.
            O pressuposto que orienta a narrativa principal é o seguinte: tal como o Quixote, que enlouqueceu lendo romances de cavalaria, o Quaderna despertou para o seu destino manifesto ao entupir-se na leitura de folhetos de cordel e de histórias de trancoso ouvidas na infância. Se se considera que o Quixote não enlouqueceu, mas antes transfigurou-se numa realidade de sonho, talvez muito mais significativa que certa objetividade de mundo, poderemos enfim, desenhar a mesmíssima analogia. Um evento literário os transporta para uma dimensão de sonho, que eles passam a considerar mais real que a própria “realidade”. Entre Quixote e Quaderna há importantes e claras analogias, mas não nos compete ir a fundo nelas.
O destino manifesto de Quaderna é a do trono do Quinto Império, espécie de revivescência sebastianista em pleno sertão brasileiro. A restauração deste Império e, por conseqüência, do seu trono, marcará não somente um retorno a uma vida mais feliz (a uma Idade de Ouro), como também a um processo de libertação cultural do povo. A aparência deste Quinto Império é patriarcal, feudal e, portanto, conservadora; mas sua essência, a da libertação dos pobres (de dinheiro e de espírito) é um projeto messiânico, tantas vezes reverberada em grandes tragédias populares como Canudos.
            Só que as ambições políticas de Quaderna não se restringem somente à arena do poder. É necessário, pari passu, a criação de uma opera magna, que sirva de fundamento a uma nova cultura clássica: a cultura brasileira. Esta obra deve ser ao mesmo tempo fecundada pela épica brasileira e também, fecundar uma arte brasileira. Se sua estética é arcaica, seu propósito é libertário. Daí a explicação de ser este o romance armorial-popular brasileiro. O armorial-popular é fundado, então, na dialética do tradicional com o popular; não quer ser contemporâneo (muito embora o seja, por razões outras), mas quer ser radical (no sentido de ir ao encontro das raízes); não quer ser democrático (porque é aristocrático), mas quer ser fraternal já que propõe uma civilização de irmãos, conjugados todos pelo mesmo passado e pelo mesmo destino.
Em determinado momento da obra, Quaderna é convocado por um magistrado a dar explicações de seus ideais políticos. Pouco a pouco, o herói convence-se da oportunidade única de escrever a sua opera magna: pede ao magistrado que seu depoimento seja vazado em estilo próprio e que, além de servir aos fins da justiça, sirva também como projeto literário. O magistrado (um procurador) envolve-se na narrativa de Quaderna e o processo inquisitorial vai alcançando grandes proporções. Dali a pouco, já não é o cumprimento do dever que move o procurador e sim, a solução do enigma profético e messiânico sugerido por Quaderna. Enfim, as coisas invertem-se: é Quaderna quem “prende” o procurador nas teias de sua narrativa infinda, intrincada. Ele agora já não é mais o Quixote: é a Sherazade das Mil e uma noites.
Mas, nenhum resumo deste romance é possível. Não há dele síntese possível, como não há síntese do Dom Quixote ou das Mil e uma noites. Nem é esse meu papel nesta apreciação. Em todo caso, subsiste um projeto civilizacional na obra de Ariano Suassuna que se traduz na idéia do armorial-popular: este pressuposto pode guiar a leitura e ajudar no seu entendimento. Que fique claro, apesar disso, que não se experimenta ou se vivencia uma obra desta sem articular, numa mesma e sintética visão os princípios da erudição, do amor e da criação, mais do que nunca irmanados e que nos deram uma das mais fascinantes obras de ficção da literatura universal.

Por que é um clássico brasileiro:

O romance d’A Pedra do Reino... representa a visão definitiva do que seja o projeto armorial-popular no universo criativo de Ariano Suassuna. Comparativamente ao seu teatro, este romance procura ser muito mais profundo, no sentido de explorar com mais vagar, os princípios da sua própria criação literária e dos seus pressupostos políticos. A experiência da sua leitura, contudo, é ímpar: este não é um tratado estético, é uma verdadeira obra literária, com todos os elementos presentes nas grandes narrativas fundantes do gênero.

Obras do autor:

Ariano Vilar Suassuna nasceu em Nossa Senhora das Neves (hoje João Pessoa, PB) em 1927. Publicou:
Teatro: Uma mulher vestida de sol (1947), Cantam as harpas de Sião (ou O Desertor da Princesa) (1948), Os homens de barro (1949), Auto de Joao da Cruz (1950), Torturas de um coração (1951), O Arco Desolado (1952), O Castigo da Soberba (1953), O Rico Avarento (1954), Auto da Compadecida (1955), O Casamento Suspeitoso (1957), O Santo e a Porca (1958), O Homem da Vaca e o poder da fortuna (1958), A Pena e a Lei (1959), Farsa da boa preguiça (1960), A Caseira e a Catarina (1962), As Conchabranças de Quaderna (1987), A História de Amor de Romeu e Julieta (1997);

quarta-feira, 17 de abril de 2013




Crítica: Marques Rebelo. A Estrela Sobe. (1938)



O Mundo e suas tentações:

            Pode a cidade tornar-se, ela própria, protagonista de um romance? Na tradição do romance urbano brasileiro, cujas origens remontam a Manoel Antônio de Almeida, a cidade não é apenas cenário, mas também personagem da trama. Ela se nos apresenta por inteiro, influindo na vida das pessoas, condicionando suas atitudes, abrindo ou fechando os caminhos por onde se movimentam as personagens. Neste sentido, os escritores do romance urbano são, antes de tudo, cronistas do cotidiano. Sente-se neles o burburinho das ruas, o rumor incessante da vida, os vários tons e as várias cores da cidade.
            Não houve, nesta tradição, cidade mais observada, esquadrinhada e comentada do que o Rio de Janeiro. Ao fato de ter sido, como capital federal, o centro dinâmico da sociedade brasileira, deve-se somar ainda seu exibicionismo natural: o Rio se mostra, oferecendo ao expectador toda a sorte de deleites visuais. Apesar de a cidade ter sido representada sob as mais diferentes perspectivas – satíricas, irônicas, trágicas – sempre se conservou, até onde é possível sentir, uma empatia entre o escritor e o povo. Desta empatia nasceu esta escrita etnográfica, em que os aspectos mais curiosos e peculiares do cotidiano carioca ofuscam todas as outras dimensões do romance.
            Em A Estrela Sobe temos uma atualização da tradição. O Rio de Janeiro está em toda parte, não só fisicamente, mas incrustado na alma das pessoas. É a cidade quem dá sentido às motivações das personagens, não raro enfeitiçados e devorados, subjugados diante das doces ilusões da Babilônia moderna. A vítima fatal desta história é Leniza Maier, uma simplória suburbana que se deixa hipnotizar pelo glamour das cantoras do rádio. A cidade a chama, sussurrando em seus ouvidos promessas de riqueza, fama e luxo. Obcecada, Leniza mais parece uma mariposa diante da lâmpada: a rua é o mundo do sonho. Sobreviver nas ruas demanda a pose correta: não se pode cair nas armadilhas e toda moralidade vulgar deve ser rechaçada. Não cabem as expectativas burguesas e bem-comportadas que se exigem da mulher: nem afeto, paixão ou casamento; fidelidade devida somente ao objetivo final. A ética do sucesso é uma desrazão que permite todas as loucuras: mentiras, fingimento, dissimulação, traição.
            À parte do universo das ruas, a casa é o refúgio. Leniza é pobre, filha duma viúva que a custo sobrevive. É, entretanto, no lar modesto onde sobrevivem os afetos verdadeiros. A casa se presta a abrigo diante da constante ameaça de queda vinda da cidade. A moralidade das ruas é incompatível com a moralidade da casa e, sendo assim, não resta alternativa à Leniza que manter uma vida de duplicidade. Cada vez mais se vê incapaz de equilibrar os opostos: as cartas anônimas, as fofocas, as denúncias vão minando a segurança daquele pequeno mundo, dissolvendo-o, forçando Leniza a aderir completamente à cidade, que a quer esmagar, consumindo-a. Ao mesmo tempo, o remorso, a culpa que sente em mentir para a mãe cresce a ponto de se transformar em angústia vital. É preciso decidir: ou a casa ou a rua. Ou o papel de moça às direitas, casadoira, respeitada, ou o papel de prostituta, escória da sociedade.
            Como decidir? É necessário, antes de tudo, saber-se livre. No começo, Leniza se acha livre por não ter marido e filhos. A mãe não manda nela. Nada impede que aja como bem entenda. Mas, no consultório de Oliveira, seu namorado, ouve-o dizer que ninguém é livre. Não o compreende, de inicio. Depois, quando já está refém do falatório, da chantagem, dos contratos, das aparências, percebe que não pode decidir. Não é capaz de romper com a mãe, falar-lhe abertamente de seu comportamento imoral. Isso significaria o abandono. Tampouco é forte o suficiente para quebrar os laços que a prendem à cidade. Sofre. A mãe, quando descobre tudo, facilita-lhe as coisas e, na calada da noite, some-se para nunca mais vê-la. Leniza está só, mas a angústia desapareceu. Entrega-se ao mundo sem olhar para trás. Em todo caso, não foi capaz de decidir: as circunstâncias que a levaram a este ponto. Não era livre, como dizia Oliveira.
            Forte retrato – talvez um pouco moralista, é verdade – da vida carioca dos anos trinta, A Estrela Sobe é um romance que se sobressai pela atualidade da abordagem. Antecipa a situação de neurose e fetichismo coletivo suscitado pelo culto às celebridades midiáticas. A prosa, magistralmente construída sobre diálogos cheios de tensão e amargor, dá ao romance um ritmo vertiginoso, levando o leitor à imergir na atmosfera de sonho e dor sobre a qual é tecido o enredo. Como etnografia, o livro é um registro da vida urbana carioca da época, não só na descrição da paisagem, mas principalmente pelo ambiente moral de seus habitantes.

Por que é um clássico brasileiro:

            A Estrela Sobe é um romance cuja genealogia é bem conhecida. Antecedem-lhe as obras de Manoel Antônio de Almeida, Machado de Assis e Lima Barreto. Neste sentido, o papel que lhe pertence é o de atualizar a tradição do romance carioca, radicalizando-a em certo sentido. A questão ética que perpassa toda a história coloca Marques Rebelo em sintonia com a sua geração, aproximando-se assim, de romances como Os Ratos (1935) de Dyonélio Machado e Angústia (1936) de Graciliano Ramos.  
Obras do autor:

Marques Rebelo (pseudônimo de Edi Dias da Cruz) nasceu no Rio de Janeiro (1907) e morreu em 1975, na mesma cidade. Publicou:
Romance: Marafa (1935), A Estrela Sobe (1938), O Trapicheiro (1959), A Mudança (1962), A Guerra está em nós (?).
Conto: Oscarina (1931), Três Caminhos (1933), Stela me abriu a porta (1942).

quarta-feira, 10 de abril de 2013




Crítica: Milton Hatoum. Relato de um certo Oriente (1989)

Pelos meandros da memória.

            Esta é a história de uma família de imigrantes libaneses radicados em Manaus. Mais do que isso, é um esforço da memória em recuperar o passado desta família. Como todo relato baseado na memória, a fluidez afetiva se impõe à objetividade fria das crônicas históricas. Assim, somos levados a uma imersão nos labirintos recônditos das recordações de família que recompõem, passo a passo, toda uma época remota, todo um passado que não é somente familiar, mas também da cidade de Manaus.
            É possível afirmar que esta demanda pelo passado se torne mais complexa com a introdução de outras variantes que dão a forma da narrativa. O exercício da memória, puro e simples, esbarra nos obstáculos da língua e da cultura que distanciam brasileiros e sírio-libaneses, fazendo com que seja também, um exercício de alteridade. A memória, desde sempre feita protagonista deste romance, comporta uma função consoladora da ausência deixada pelos mortos, ao mesmo tempo em que reabre antigas feridas, tornadas tão vívidas como outrora. Só não pode fazer ressuscitar o tempo que já se passou, presentificá-lo, embora permita aos homens recordar para que possam prosseguir adiante.
            A história da família em questão só aos poucos é esclarecida ao leitor. Na realidade, tal qual um espectador ativo, é dele a incumbência em articular os vários episódios da narrativa. Os relatos do texto, principalmente os de tio Hakim, não procuram oferecer uma visão panorâmica, cronológica e coordenada dos fatos, mas são antes ditados ao sabor daqueles eventos mais importantes para o narrador. Esta é uma estratégia narrativa fundamental para o sucesso do romance, já que a filha ausente está quase na mesma situação do leitor: quer, através dos relatos dos mais velhos, compor todo um quadro de sua infância e da vida da sua família. Isto nos obriga a provocar desde logo uma aliança lógica com a filha ausente, nos alinhando à sua perspectiva para combinar diferentes eventos e assim, lograr atribuir sentido ao texto.
            A libanesa Emilie é a protagonista destes relatos. De uma família cristã, veio jovem ao Brasil na companhia dos pais e dos dois irmãos. Aqui, viveu sempre entre a comunidade sírio-libanesa do Amazonas, construindo ali as suas principais relações de amizade, inclusive o seu próprio casamento, com um homem muçulmano. Deste casamento teve quatro filhos: Hakim, Samara e mais outros dois “inomináveis”. Já na maturidade adotara mais outros dois filhos, ambos irmãos que pela distância no tempo, hesitavam em chamar Emilie de mãe ou de avó. Fazem parte do núcleo principal da trama uma empregada doméstica chamada Anastácia Socorro e a melhor amiga de Emilie, Hindié Conceição.
            Bem ou mal, esta família é um microcosmo da intersecção dos valores familiares orientais e dos valores familiares brasileiros. Estamos assim, sempre no limiar, como estavam todos os membros daquela família. Diversas fronteiras são sucessivamente violadas e recompostas: a fronteira da língua, sempre hesitante entre o árabe, o português culto e o português dialetal da Amazônia; a fronteira da religião, sempre um motivo de discórdia entre o marido muçulmano e a mulher cristã; a fronteira dos costumes; a fronteira das gerações. Obviamente, fronteira não é algo impermeável e, como disse, as fronteiras deste romance são sempre rompidas e restabelecidas.
            As tensões desta família, como em qualquer outra, são freqüentes, embora tenham o seu brilho próprio derivado do pitoresco e do inaudito. As sucessivas mortes de parentes, as brigas e rivalidades freqüentes entre irmãos, e a inevitável desagregação familiar disto decorrente, lançam os personagens numa terrível solidão. São permanentemente fustigados pelas lembranças do passado e, como se pode deduzir, nenhum deles alcançou libertar-se completamente das culpas e dos complexos que ainda os ligam à família, mais exatamente à Emilie, o centro afetivo de toda vida em comum.
            Esta permanente sensação de vazio, de falta, faz com que a filha adotiva de Emilie, após muito tergiversar, retorne a Manaus para reencontrar-se com a mãe e assim, ficar em paz consigo mesma e com seu passado.Ocorre que nada do que vivera no passado existia mais. A família estava despedaçada e a própria cidade de Manaus, tal como ela havia conhecido, sucumbira diante do crescimento desordenado. O que restara? Apenas as lembranças dos mais velhos, daqueles que sobreviveram àqueles tempos. Daí sua única opção fosse a de evocar, através daquelas lembranças, todo aquele mundo evanescente.
            As lembranças de seus interlocutores, transcreve em forma de relato ao irmão que agora vive em Barcelona. Talvez ele também, como todos os que fizeram parte da família, sofressem com o peso da ausência de um tempo completamente desaparecido. Nesse sentido, o relato é o único instrumento possível de conforto, o único que ainda pode oferecer alguma esperança de conciliação com o passado e com o presente.

Por que é um clássico brasileiro:

            Mais do que qualquer outra grande obra de ficção brasileira, este é o romance que alcança a mais afetiva das representações da memória. Aqui, ela deixa de ser um instrumento ou artifício narrativo para se transformar na protagonista da obra, sem finalidade outra, que a de sua própria evocação. Para conseguir tal resultado foi necessário ao autor uma linguagem que pudesse transpô-la para a ficção. E consegue por meio de uma prosa densa e lírica, cravada de saudade e poesia, que clarifica a relação do homem com o seu passado.

Obras do autor.

Milton Hatoum nasceu em Manaus em 1952. Publicou:
Romance: Relato de um certo Oriente (1989); Dois irmãos (2000); Cinzas do Norte |(2005) e Órfãos do Eldorado (2008).

segunda-feira, 8 de abril de 2013


Crítica: Bernardo Guimarães. O Seminarista (1872)

Um romance anti-clerical?

Os temas do amor impossível são característicos do romantismo e a história de Eugênio e Margarida seria apenas mais um deles, não fosse o caráter eminentemente político de O Seminarista. Não é só o problema do celibato clerical que estorva a pena de Bernardo Guimarães, mas toda a radicalização da ortodoxia católica desde a irrupção da chamada Questão Religiosa.
Durante todo o período colonial e monárquico, o clero católico esteve submisso à autoridade do Estado mediante o chamado regime de padroado. No caso, o catolicismo era declarado religião oficial ao mesmo tempo em que perdia sua autonomia perante o governo. Os sacerdotes cumpriam uma função pública e as suas paróquias serviam de circunscrição eleitoral, cartório, entre outras atividades típicas de governo. Como a autoridade do Estado sobre a Igreja no Brasil prevalecia em detrimento da autoridade da Santa Sé, a maior parte dos sacerdotes prestava obediência mais imediata ao governo que ao Vaticano. Isto gerava uma série de problemas.
No que diz respeito à moralidade dos padres, havia um relaxamento tal, que muitos sacerdotes mantinham concubinas; outros tinham filhos e os educavam abertamente; não eram raros aqueles que foram grandes proprietários de terra e importantes políticos. Alguns destes padres, inclusive, eram filiados à maçonaria; os Seminários, como o de Olinda, por exemplo, eram conhecidos centros de divulgação do liberalismo e de outras doutrinas modernas. Este quadro começa a se transformar na década de 1860, quando a Santa Sé procura tomar as rédeas da disciplina clerical. Novos seminários são fundados sob a estrita observância da ortodoxia; os padres são obrigados a saírem da maçonaria; as práticas tradicionais do catolicismo popular são combatidas e toda uma nova política de centralização romana é iniciada: este é o conhecido Processo de Romanização do Catolicismo Brasileiro.
Um dos centros mais importantes da difusão do ultramontanismo (como eram pejorativamente conhecidas as idéias da romanização) foi o Seminário de Congonhas do Campo em Minas Gerais, onde se passa a maior parte da ação do romance. Bernardo Guimarães não perde a oportunidade em caracterizar aquele ambiente como saturado de fanatismo, mostrando os irmãos vicentinos (que dirigiam a escola) como uma organização disposta a tudo para fortalecer o seu projeto político e engrossar as suas fileiras. O longo e doloroso processo de doutrinação de Eugênio, levado a cabo pelo diretor-mestre do Seminário, representa a insensibilidade da congregação em aceitar a total falta de vocação sacerdotal do rapaz.
Outro alvo da crítica de Guimarães é a família de Eugênio, pois sob o manto de uma propalada devoção, se escondem os mais vis interesses econômicos. A temeridade maior que assombra mãe e pai é a possibilidade do casamento de seu filho com Margarida, filha de uma dependente de sua propriedade, portanto incompatível com a sua posição social. Eugênio tem outros irmãos maiores, mencionados somente no segundo capítulo, ambos casados, o que alivia a tensão quanto a falta de herdeiros. A sua paixão, espécie de loucura, tem que ser tratada com internação e o seminário presta-se bem a esta função.
Tíbio e inseguro, Eugênio não consegue fazer frente à pressão de pais e padres para escapar do destino. Confessa a todos a sua incapacidade de suportar uma vida separada de Margarida. Não lhe dão ouvidos. Ao contrário, exortam-no a resistir às tentações diabólicas, simbolizada na figura mesma de Margarida. Ao notar a progressiva decadência física e psicológica de Eugênio no último ano do Seminário, seu pai manda a notícia (falsa) do casamento de Margarida. Ao mesmo tempo expulsa a menina e sua mãe da fazenda, deixando-as na miséria. Desconhecendo tudo isto e crendo numa traição de Margarida, Eugênio não vê outra alternativa a não ser tomar as ordens sacras.
Ao final, ao se deparar com mentira urdida por seus pais e com a miséria que vitimava Margarida, Eugênio revolta-se. A morte da amada, inconfessa e abandonada, dói-lhe na alma. As últimas páginas de O Seminarista são de uma expressividade dramática poucas vezes alcançada pelos escritores da época. Sem alternativas, Eugênio despe-se das vestes sacerdotais no dia de sua primeira missa e foge, “louco e furioso”, de um mundo em cujos limites não lhe coube o direito de escolher como viver.

Por que é um Clássico Brasileiro:

       O Seminarista é um passo seguro em direção ao realismo. A estrutura psicológica das personagens, o tema do amor impossível, o desfecho trágico, ainda são claramente românticos, mas o propósito de se fazer uma denúncia ideológica, desnudando a hipocrisia das elites, é sintoma de uma literatura realista. Esta indefinição programática é característica deste período de transição de uma escola a outra, que vai de 1870 a 1880. Nenhum romance, no entanto, caracteriza tão claramente esta situação que O Seminarista.

Obras do autor:

Bernardo Joaquim da Silva Guimarães nasceu em Ouro Preto (MG) em 1825 e lá faleceu em 1884. Publicou:
Romance: O Ermitão do Muquém (1864), Lendas e Romances (1871), O Garimpeiro (1872), O Seminarista (1872), O Índio Afonso (1873), Jupira (1873), A Escrava Isaura (1875), Maurício ou Os Paulistas em S. João Del Rey (1877), A Ilha Maldita e o Pão de Ouro (1879), Rosaura, a enjeitada (1883).
Poesia: Cantos da Solidão (1852), Poesias (1865), Novas Poesias (1876), Folhas de Outono (1883).

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Gostaria de agradecer aqui todos os heróis que estão seguindo este modesto blogue.
Ele foi feito mesmo para vocês e fico feliz em contar com todos como leitores e amigos.
Como não sei como enviar uma mensagem pessoal para cada um, aqui vai um abraço coletivo a todos.
Muito obrigado pela força!
Eduardo Lúcio G. Amaral.